fonte: O Globo

O futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou ontem que uma de suas prioridades será incentivar parcerias entre empresas privadas e universidades públicas no país. De acordo com Pontes, é preciso revisar a legislação para que isso aconteça. Instituições como UFRJ e USP já têm projetos financiados por empresas privadas.

— Nossa legislação tem que ser revista para permitir que universidades recebam investimentos privados. Tem que ter doação também. Nos Estados Unidos, isso é muito comum —disse Pontes, durante o intervalo de uma reunião com a equipe de transição.

Jerson Lima Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem, explica que não há impedimentos para investimento privado em universidades públicas.

— Na realidade, já temos investimentos privados na pesquisa e no desenvolvimento em universidades públicas, com parques tecnológicos que contam com a presença de várias empresas. Aqui na UFRJ, por exemplo, GE e L’Oréal estão entre os investidores mais recentes —afirma.

O professor argumenta que a entrada de investimentos privados não tira a importância dos recursos públicos para a ciência. E afirma ser pouco provável que empresas invistam em pesquisa básica, de onde surgem as invenções consideradas disruptivas, especialmente no campo da saúde, como fármacos e biotecnologia:

—Naturalmente, as empresas querem parcerias em áreas que são de seu interesse e nunca vão colocar dinheiro em pesquisa básica. Esta não é uma questão só brasileira. No mundo todo a pesquisa básica é financiada em grande parte pelo Estado.

Dados da Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos mostram que o governo americano investiu US$ 37,84 bilhões apenas em pesquisa básica em 2015, ano mais recente da linha histórica. O índice é superior a todo o investimento feito em pesquisa e desenvolvimento no Brasil naquele mesmo ano.

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) trabalha para unir as demandas das empresas privadas e as pesquisas nas universidades. Já a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), também tem como finalidade unir empresários e acadêmicos. Apenas na Coppe, Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia

da UFRJ, alianças com a Embrapii renderam 16 projetos, desde 2015, no valor de R$ 85 milhões. Eles são financiados por empresas como Shell, FMC, Petrogal e Petrobras. Para Edson Watanabe, diretor da Coppe, não há motivos para preocupação com possíveis interferências:

— Não acho que haja risco de o investimento privado direcionar ou pautar o uso de recursos públicos e somos um exemplo disso. Temos muitas pesquisas sendo feitas com investimentos de empresas e, em paralelo, várias outras que seguem com recursos públicos.

Já o pesquisador Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), está entre os que acreditam na possibilidade de influência. E propõe uma forma de driblar essa questão.

— O importante seria que o financiamento privado fosse para um fundo que abrisse editais públicos nos quais os princípios éticos e metodológicos, bem como os resultados, não estivessem atrelados à origem dos recursos. Caso contrário, seria o fim da autonomia da ciência, da pesquisa e da universidade.

O futuro ministro afirma que existe resistência de parte da comunidade científica à presença privada em universidades públicas, mas argumenta que isso é superável. O professor Lima Silva, por outro lado, argumenta que o grande desafio é, na verdade, quebrar a resistência dos investidores, interessados em alternativas que dão retorno mais seguro e a um prazo mais curto:

—Com os juros que praticamos aqui, eles preferem investir no mercado financeiro.

Hoje os investimentos em ciência e tecnologia no Brasil estão no patamar de 1% do PIB, grande parte em

recursos públicos. Para alcançar os cerca de 3% prometidos pelo presidente eleito Jair Bolsonaro será necessário ampliar o leque de empresas para além das que tradicionalmente investem na ciência brasileira, como a Petrobras.

CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS

Marcos Pontes não quis se pronunciar sobre o Ciência Sem Fronteiras, programa que dá bolsas a estudantes brasileiros no exterior. Ele seguiu pelo mesmo caminho quando perguntado sobre o Pronatec, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego:

— Estamos fazendo um raio x que envolve o custobenefício desses programas. Vamos colocar na balança e ver o que será mantido, aperfeiçoado ou cancelado.

Pontes se reuniu ontem com o atual ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, e afirmou que outras reuniões desse tipo estão por vir.

“A legislação tem que ser revista para permitir que universidades recebam investimentos _ privados.” Marcos Pontes, futuro ministro

“Já temos investimentos privados em universidades _ públicas” Jerson Lima Silva, professor da UFRJ